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O Dano Infecto e os Condomínios

Direito Condominial - Suse Paula Duarte Cruz Kleiber

advogada especialista em direito condominial e tem vasta experiência no segmento. Atua na área há mais de 20 anos. Além disso, é consultora jurídica, palestrante, membro efetivo da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP, subseção Santana e de Direito Imobiliário e Urbanístico de Osasco/SP e Jundiaí/SP. Autora do livro


06/11/2020

O Dano Infecto e os Condomínios

O Dano Infecto e os Condomínios

Infelizmente está cada mais presente nas nossas rotinas a intolerância e falta de respeito com o próximo e, claro isso também é verificado nos condomínios. 

 

Entre vizinhos muitas são as discussões, brigas e desentendimentos por questões das mais variadas, desde a fumaça da comida, a invasão da demarcação da vaga de garagem, infiltrações, o barulho das festas que seguem madrugada a dentro e um infindável número de outras ocorrências. 

 

Quem pensa que o direito de propriedade é absoluto se engana, pois, além da sua função social, os direitos de vizinhança são outro exemplo dessa relatividade, pois, o uso da propriedade é limitado não podendo ser utilizado de modo a prejudicar os vizinhos dela. Claro que temos que ter o mínimo de tolerância para podermos conviver em sociedade de forma harmoniosa, mas quando o vizinho age de modo a perturbar a nossa tranquilidade ou nos causar dano material, nasce a necessidade de estabelecer limites ao exercício do direito de propriedade representada pelos direitos de vizinhança e a legislação tem o alívio judicial para fazer cessar tais interferências: as ações fundadas no dano infecto. 


Dano infecto é o uso irregular, nocivo, anormal e indevido da propriedade prejudicando a saúde, segurança ou sossego do vizinho que pode fazer cessar a interferência lesiva. O Código Civil trata da matéria em seus artigos 1.277 a 1281. 


Conceito interessante de dano infecto  se extrai do no acórdão que negou provimento ao agravo de instrumento n° 5991 10913, da 20ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em18/05/1999,  quando esclarece que  “o mau uso da propriedade vizinha é sempre determinado mediante as circunstâncias especiais de cada caso, aferindo-se o grau de tolerabilidade, presentes os usos e costumes locais”.


O dano deve ser iminente ou já estar em ocorrência. Isso se aplica a vazamentos, infiltrações, barulho, possibilidade de ruína, plantas e arbustos que invadem a área vizinha, acumulo de entulho e lixo, número de excessivo de animais, desordem, guarda de produtos perigosos etc. São incontáveis as situações que podem indicar a necessidade da utilização de medidas ativas para coibir o incômodo, começando pelo sempre recomendado diálogo, conciliação e sem êxito notificação e demanda judicial, afinal, não se pode permitir que o uso anormal da propriedade vizinha impeça o uso normal da minha propriedade. Tal ação judicial é cabível somente enquanto o dano está acontecendo, como por exemplo vazamento, ameaça de ruína etc. 


A legislação processual civil permite ao vizinho prejudicado, na ação de dano infecto, pleitear pela tutela de urgência (liminar), em caso de ameaça iminente de ocorrência do dano por conduta positiva ou negativa do vizinho causador, que pode implicar até mesmo em  risco de lesões físicas aos ocupantes do imóvel vizinho afetado.


Abro um parêntese para compartilhar  um caso em atuei como advogada: O vizinho da unidade imediatamente superior inadvertidamente construiu/instalou uma banheira em sua unidade, a qual, além de provocar rachaduras devido ao peso, ainda causou infiltrações e vazamentos no banheiro do vizinho da unidade abaixo, onde residiam dois idosos. Imaginem, se um pedaço do forro de gesso se desprende e cai sobre os senhores de mais 70 anos, como seria?


O condômino que instalou a banheira, foi cientificado, notificado e simplesmente se negava a tomar qualquer providência, o que obrigou o vizinho atingido a buscar a tutela jurisdicional para fazer cessar aquela situação, determinado ao proprietário omisso providenciar imediatamente os reparos destinados a sanar os vazamentos ou infiltrações existentes, sob pena de sujeição, enquanto permanecer inerte, à uma multa diária, fixada judicialmente. Ou seja, a medida foi necessária para finalizar a situação e impedir que algo maior acontecesse. 


Além dos danos materiais experimentados, o Superior Tribunal de Justiça, já decidiu que nessas questões cabem também a condenação em danos morais: 


Importante consignar que é possível, ainda, a condenação do vizinho ofensor não apenas na esfera cível, como nas criminal, ambiental e administrativa, a depender do caso concreto. Apenas para elucidar em sede de matéria criminal, a responsabilidade de quem  produz barulho excessivo pode ser enquadrada em duas situações diversas: a) como contravenção penal, pelo artigo 42 (perturbação do trabalho ou do sossego alheios) ou pelo artigo 65 (perturbação da tranquilidade), ambos da Lei de Contravenções Penais; crime ambiental de “maus-tratos” (artigo 32, da Lei dos Crimes Ambientais), quando o animal “chora” e uiva o dia todo porque fica trancado sozinho num apartamento minúsculo, às vezes, sem a disponibilização suficiente de água e comida. 


Diante dessas considerações, concluímos que quando há qualquer infração aos textos legais acima mencionados o vizinho afetado poderá promover o que de direito para fazer cessar tais interferências, não dependendo de ninguém, mesmo quando reside em condomínio. Ou seja, se o vizinho se utiliza da propriedade de forma nociva a outro morador, esse último pode se proteger com a ação respetiva, por se tratar de relação tipicamente de vizinhança.


Se é uma conduta que afeta a vários dentro de um condomínio, nesse caso o condomínio poderá interferir, mas questões entre moradores devem ser decididas entre eles, com fundamento na proteção do direito de vizinhança, através do ajuizamento de ações de fazer ou não fazer. 


Nesse aspecto,  há também previsão no texto da lei civil, no inciso IV, do artigo 1336 do Código Civil, o qual, determina como um dos deveres do condômino o de “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.”


Portanto, há situações que cabem a você, como vizinho tomar providências e não ao eu síndico que poderá, por liberalidade, interceder como conciliador. 


A importância de sabermos viver em harmonia com aqueles que estão a nossa volta refletirá na maneira como tratamos e agimos com nossos familiares, amigos etc. Ou melhor traduzinho, nas palavras de Martin Luther King: “O bom vizinho olha além dos incidentes exteriores e distingue aquelas qualidades interiores que fazem de todos os homens humanos, e portanto, irmãos”.


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