Prédios com poços profundos devem registrar e pagar pela água
Em três meses, mais de 200 equipamentos já foram regularizados, dos quais metade recebeu hidrômetros para contabilizar consumo, segundo a Secretaria de Recursos Hídricos; medida visa controlar uso das águas subterrâneas,
Uma forma milenar de garantia de acesso à água potável e gratuita se tornou essencial diante da crise hídrica recente no Ceará: a utilização de poços profundos. Mas manter um equipamento privado requer regularização junto à Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh) - medida que passou a ser isenta de taxas, em junho, para condomínios e prédios comerciais de Fortaleza e da Região Metropolitana (RMF), mas que implica no início de pagamento mensal pela água retirada e pelo esgoto resultante dela.
Em uma resolução conjunta, o Conselho Estadual (Conerh) e a Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) decidiram lançar campanha para isentar as taxas de outorga de direito de uso da água de poços já instalados: ou seja, condomínios residenciais "de grande porte" e prédios comerciais ou de prestação de serviços que possuam equipamentos irregulares e clandestinos devem buscar órgão para regularização.
Até a primeira quinzena de outubro, 203 poços já haviam sido regularizados, de acordo com a SRH. Do total, 104 foram 'hidrometrados' pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), e 84 tinham pedido de outorga em trâmite. Em nota, a Secretaria dos Recursos Hídricos informou que a "fiscalização está acontecendo e os números crescem de acordo com as visitas, a serem realizadas até o fim do ano".
A estimativa de quantos equipamentos irregulares são mantidos na Capital e na RMF, segundo a Pasta, "não existe, pois há poços familiares (aqueles poços de casa, que beneficiam poucas pessoas), poços de condomínios e empresas. Então, por ser muito vasto, não tem como saber a quantidade desses equipamentos".
Consumo
A síndica profissional Lúcia Martins, 56, atua em prédios comerciais e residenciais de Fortaleza, e relata que há poços profundos em, pelo menos, dois deles. "No comercial, 70% da água que usamos vêm do poço, e o restante da Cagece. É muito útil para fazer a limpeza das áreas comuns e direcionar pras cisternas, que distribuem às caixas-d'água das salas", descreve. "Já no residencial, o poço é pra uso doméstico mesmo, para banho e alimentação", finaliza a gestora.
O poço do condomínio residencial, no bairro Patriolino Ribeiro, é devidamente regularizado, conforme a síndica. "Lá, pagamos uma taxa mensal à Cogerh. Já fizemos várias análises da água, que é muito boa, e ainda contratamos uma empresa para manutenção com filtros. No comercial, só pagamos 80% cobrados pela Cagece para uso do poço", informa Lúcia, afirmando, porém, que não recebeu visita recente da Cogerh.
O coordenador de gestão hídrica da SRH, Carlos Campelo, explica que o universo de locais que poderiam ter poços não registrados foi definido a partir de estudo conjunto entre Cogerh, SRH e Cagece. "O que nos orientou foi o fato de ser um condomínio grande e com baixo consumo de água da Cagece, por exemplo, mostrando que existiria outra fonte de obtenção de água", afirma.
Para atingir o objetivo da campanha, então, "foi retirada a necessidade do teste de vazão e a taxa de emolumentos". Agora, "basta o síndico declarar que aquele poço tem vazão suficiente para atender à demanda". A taxa paga ao Estado, segundo a SRH, totalizava cerca de R$ 300. Já o teste de vazão, em que um geólogo testa a quantidade de litros que o poço fornece por hora, "tinha valores variáveis, de acordo com a empresa escolhida para fazer". Isso, conforme Carlos, "inibia" os usuários de efetuarem o registro.
Cobrança
A partir da regularização do poço, um hidrômetro será instalado e mantido pela Cagece para medir o consumo. O valor a ser pago pelos empreendimentos por litro de água retirado do lençol subterrâneo é de R$ 0,00019, cobrado por meio de boleto enviado pela Cogerh, independentemente da conta de água. Mas a companhia ressalta que "a primeira fatura será educativa, sem cobrança", e que a emissão ainda não começou oficialmente.
Outro valor associado à cobrança pela chamada água bruta é o pagamento pela rede de esgoto. Atualmente, cada usuário paga mensalmente pela água consumida mais 80% da que circula no sistema de esgotamento individual. Em nota, a Cagece lembra que "essa água pode ser proveniente da distribuição da própria companhia ou de poços particulares" - de modo que o despejo de recursos advindos dos poços registrados entrará na conta.
O coordenador da SRH alerta, porém, que as cobranças são "razoáveis" diante das vantagens ambientais. "Não estamos indo em unidades familiares, a medida é só para unidades coletivas. O uso das nossas águas subterrâneas são historicamente irregulares. Com a outorga e regularização, temos um controle do lençol freático, evitando o uso descontrolado da água e posterior falta dela. Sabemos que esses poços ajudam muito no abastecimento, então lançamos olhar sobre isso", destaca Carlos Campelo.
O diretor de Fiscalização da Defesa do Consumidor do Ceará (Decon), Pedro Ian Sarmento, reforça que as cobranças envolvidas no uso da água oriunda de poços profundos são permitidas. "A água é um bem de valor econômico, então qualquer cidadão que for furar e manter poço profundo tem de ter autorização das autoridades públicas e informar qual destinação está dando ao recurso. Isso porque estará utilizando os bens do subsolo", explica Pedro Ian.
Apesar disso, existe uma condição indispensável para o respeito aos direitos do consumidor: a transparência. "Para que seja feita essa cobrança, é preciso ficar delimitado, logo de início, qual a taxa, como será a cobrança, por quem será instalado e mantido o hidrômetro e se esse aparelho vai ser pago pelo usuário. Qualquer tipo de prestação de serviço e formação de ônus tem que ser esclarecido de forma expressiva e clara. Nenhum valor pode ser cobrado sem antecedência", frisa o diretor de fiscalização do Decon.
Conforme o gestor da SRH, "todos os condomínios abordados estão recebendo explicações sobre o requerimento de outorga e os documentos necessários". "Fazemos a abordagem e concedemos 30 dias de prazo para o empreendimento se regularizar. Se insistir no erro, ele corre o risco de ter o poço lacrado e precisar recorrer somente à água da Cagece", sentencia Carlos. Até a primeira quinzena de outubro, nenhum poço havia sido lacrado.
Foto: REINALDO JORGE